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Foto do escritorVictor Troiani

Inspirações Fantásticas - Os símbolos de Tolkien


(Imagem de Shutterstock)


Se existe um cenário fantástico mais estudado, bem desenvolvido e aclamado do que as inspiradoras ambientações da Terra Média, desconheço. Em uma rápida digressão, convido-o a imaginar o que seria dos games, sem a existência do famoso D&D: sem a progressão de personagens, sem o acúmulo de itens, sem a possibilidade de sentir-se representado, ou representando, dentro de uma narrativa. Agora se afaste um tanto mais, e pense o que seria deste D&D, do farto imaginário de criadores como Arneson e Gygax, se não tivessem contato com o mundo de O Senhor dos Anéis, entre outros dos quais beberam.


Nesta conversa, analisarei partes da obra de Tolkien, buscando informações de forma objetiva, encontradas nos livros, entrevistas e correspondência pessoal do autor. Assim, procuro informar nossa inspiração nas criações de aventuras e cenários, com esta viagem pelo pensar deste grande mestre.


Quem é J. R. R. Tolkien?


Nascido na África do Sul, John Ronald Reuel Tolkien, era um guardião da língua, avesso às distorções e reinterpretações das palavras e seus sentidos. Foi majoritariamente educado por um Padre na Inglaterra, após perder seus pais ainda muito jovem, e devotou sua vida a Deus, à filologia, à literatura, e à luta contra o totalitarismo coletivista que surgia na Europa.


Entre os mais felizes momentos de sua infância estão aqueles passados próximos à natureza, na cidade Inglesa de Birmingham, onde vagava por bosques e admirava as árvores. Teve uma educação cristã aliada à literatura clássica. Grande parte de seu aprendizado passou pelas leituras que sua mãe fazia e, após seu falecimento prematuro, através da tutelagem do Padre conservador Francis Xavier Morgan. Tolkien seguiu seus estudos e em 1908 ingressou em Oxford.


Em 1916 foi combater a Primeira Guerra Mundial. Os horrores que viveu neste campo de destruição o ensinaram a importância da amizade e companheirismo, a tragédia da violência e expôs sua alma à escuridão daquele momento de colapso civilizacional e ascensão do materialismo positivista.


De volta à Inglaterra, Tolkien retomou seu trabalho acadêmico, nas traduções de textos religiosos e de lendas antigas, complementados por sua robusta pesquisa do período medieval, da história norte-europeia e mitologia dos povos que habitaram a região.


Tolkien era admirador do escritor G. K. Chesterton, e desde sua juventude estimava a forma como o autor era capaz de tornar compreensíveis suas ideias através de textos filosóficos, e literatura, onde utilizava narrativa e ficção para sublinhar valores, virtudes e ensinamentos ao leitor. É também importante sublinhar um dos temas muito caros aos dois autores, a importância dos contos de fadas na educação das crianças, com destaque aos trabalhos dos Irmãos Grimm e as coletâneas de Andrew Lang.


J. R. R. Tolkien registrou que suas obras não eram alegorias. Personagens, locais, povos e acontecimentos não eram representantes diretos de pares específicos. Eram aplicáveis, porém, à realidade. Sua fantasia se assentaria entre a parábola e o mito, utilizando-se do simbolismo para exaltar temas católicos, reavivando e utilizando representações derivadas dos paganismos norte-europeus com o intuito de celebrar virtudes cristãs e gerar uma nova mitologia britânica.


Suas histórias tratam de ambientes fantásticos, povoados por homens e outras criaturas inteligentes. Lugares onde magia e monstros habitam, onde reis e vilões se digladiam e onde a natureza, dragões e divindades moldam o destino do mundo. De forma perspicaz, no entanto, por vezes suas narrativas nascem de personagens e acontecimentos corriqueiros, que inicialmente nos passam a impressão de estarem ali despretensiosamente, revelando-nos em crescendo maravilhosas passagens e ramificações de criatividade e fantasia ímpar, desenhando alguns dos arcos mais épicos encontrados na literatura mundial, descritos com um preciosismo lírico que evidencia seu domínio da palavra.


John Ronald Reuel Tolkien teve livros publicados em vida e compilações de textos organizados por seu filho Christopher, que foram publicados após sua passagem. Faleceu em 2 de Setembro de 1973 e seu corpo jaz sepultado junto a sua esposa, Edith, a quem amou por toda a vida.


Características dos Povos Livres:


Em segmento à breve exposição acima, visitemos os povos da terra média e, desvelando suas essências e peculiaridades, busquemos inspiração e método que possamos humildemente empregar em nossas próprias aventuras:


Elfos: Os primeiros filhos de Ilúvatar (O nome dado pelos Elfos a Eru, O Criador), são os maiores amantes da natureza, especialmente das águas, oceanos e estrelas. Descritos por Tolkien como um povo de pele alva e olhos cinzentos, exibem diferentes colorações de cabelos. Mais altos do que os Homens, possuem orelhas pontudas, com o formato semelhante ao das folhas.


Detestam todo o mal e são mais resolutos do que os Homens ao serem tentados pela corrupção. Na maioria das ocasiões têm porte inefavelmente soturno. São criaturas belas e imortais, dotados de sabedoria, guardiões da história das eras, portadores de grande curiosidade e criatividade.


Talentosos artesãos, reputam como esmerados e perfeccionistas em tudo o que fazem.


Enganados por Sauron, forjaram os anéis do poder mas, ao contrário dos Homens, não sucumbiram à sua corrupção e puderam escondê-los do Senhor dos Anéis.


Hobbits: Pequeninos, Tolkien os descreve como amantes de uma vida simples, bucólica e pacata, de cultivo, glutonice e convivência, apesar de serem capazes de defender sua propriedade corajosamente, se necessário.


Rotundos em seu ventre e de pernas encurtadas. Faces redondas e joviais, de orelhas levemente pontiagudas e élficas, com cabelos curtos, marrons e encaracolados. Os pés, das canelas em diante, são cobertos por uma pelagem espessa e marrom.


Os Hobbits são parentes dos Homens, isso é reconhecido por aqueles que os conhecem entre os Povos Livres. Contudo, por não se darem às aventuras e viagens, são desconhecidos pela grande maioria da Terra Média.


Tolkien se considerava, jocoso, de costumes e alegrias Hobbitescas.


Homens: São a raça mais prolífera, ao longo do tempo, na Terra Média. Diversas culturas diferentes de Homens se espalharam pelo continente, desde os Cavaleiros de Rohan, passando pela nobreza de Gondor e incluindo, entre outros, também os Homens do Leste e seus Olifantes impressionantes.


Chamados pelos elfos de “Segundo Povo” ou “Nascidos Após”, os homens são considerados a raça escolhida para ser a mais influente por Eru, o grande Criador na mitologia de Senhor dos Anéis. A eles foi concedida a Graça da mortalidade, permitindo que, ao morrerem, suas almas deixem o plano de Arda, onde reside a Terra Média, e partam para um lugar desconhecido até mesmo pelos Valar, seres espirituais e poderosos, filhos de Eru.


Com a mortalidade os Homens recebem a dádiva do sacrifício e do martírio. Parte desta Graça também se traduz na liberdade da qual os Homens gozam, podendo tomar as rédeas de seu próprio destino, para o mal ou o bem. Alguns dos maiores vilões das histórias de Tolkien são Homens corrompidos pela maldade. Por outro lado, os Homens por muitas vezes são heróis decisivos na história da Terra Média.


Anões: Os Anões foram criados com forte constituição, com corações inabaláveis e cabeças duras. Rápidos nas amizades e nos antagonismos, estóicos ao sofrer da fome e dores no corpo, vivem muito além da expectativa de vida dos Homens. São baixos como os Hobbits e possuem belas barbas, tanto os Anões do sexo masculino quanto as de sexo feminino. É dito que um Anão que tenha sua barba raspada morrerá açoitado pela vergonha.


Exímios artesãos, são peritos em maçonaria, e ferreiros tão esmerados que em certas artes superam até mesmo os Elfos. É conhecida sua vontade por riquezas e pedras preciosas, tiveram essa voracidade potencializada ao receber do Senhor das Sombras nove anéis do poder. Mantiveram-se porém, em sua grande maioria, aliados do bem e dos Povos Livres.


Ambientação Tolkeniana:


Depois de conhecer seus atores, podemos nos debruçar sobre algumas das cidades descritas pelo autor, perceber as nuances e detalhes na caracterização dos ambientes onde convivem estes personagens:


Minas Tirith: A Cidade Branca dos Reis de Gondor originalmente era uma fortaleza. Ergue-se escorada nas encostas do Monte Mindolluin, composta por sete muralhas, cada uma alçando-se mais alta que a anterior e acompanhando a altitude que se eleva. Cada andar é acessado por um portão nas muralhas brancas, posicionados em lados opostos a cada nova barreira.


As terras ao redor da cidade são usadas para agricultura, as plantações se estendem pelas planícies dos Campos de Pelennor até chegarem à primeira e mais baixa murada, que é a única composta por rocha negra, contrastando com o restante da cidade que tem seus muros e ruas em material alvo.


A cidade possui estábulos, estalagens, muitos guardas e torres de defesa. Em seu último patamar podemos encontrar uma árvore branca, a planta brotou de um fruto vindo da Árvore Branca de Númenor, representando a amizade entre os Homens e os Elfos. Este símbolo foi trazido a Minas Tirith por Isildur e revigorado por Aragorn, após assumir seu lugar como Rei dos Homens.


No andar mais alto de Minas Tirith, na cidadela, também estão as acomodações do Rei, dos regentes, Merethrond, o Grande Salão de Banquetes, os quartéis da guarda e os alojamentos destes e de demais trabalhadores. De seu centro alça-se, 91 metros em direção aos céus, a grande Torre Alva de Ecthelion que guarda a sala do trono do Rei de Gondor e abriga secretamente uma palantír, uma das esferas perfeitas de cristal, extremamente poderosa no dom da vidência, criada na primeira era pelos Elfos de Valinor.

(Minas Tirith por Karen Wynn Fonstad)


Valfenda: Um entreposto fundado pelos Elfos, mais especificamente por Elrond, o meio elfo. Em uma batalha contra Sauron e seu exército maligno, os Elfos foram forçados a se entrincheirar no vale de Valfenda. O exército das sombras os cercou, não obtendo sucesso em quebrar suas defesas. Celeborn e Gil-Galad, juntaram-se às forças élficas e expulsaram o Senhor das Sombras da região. Desde então, Elrond é o soberano sobre o vale, que é conhecido por sua beleza e condição de porto seguro na Terra Média. Ali, os Povos Livres contam com abrigo e sabedoria.


Na Terceira Era, entre as frondosas paredes naturais de Valfenda, nos domínios de delicada arquitetura élfica, em meio a uma dramática reunião decidiu-se a formação da Sociedade do Anel, que teria como portador do Um Anel, Frodo Bolseiro, o Hobbit. Ali encontravam-se, entre outros: Gandalf, Elrond, Aragorn, Boromir, Gimli, Legolas e os pequeninos Frodo, Sam, Pippin e Merry.

(Valfenda por J. R. R. Tolkien)


Condado: Situada a oeste da Terra Média, esta região de bucólica beleza e pacata convivência tem como habitantes a reclusa e pacífica raça dos Hobbits. É legitimado como parte do Reino dos Homens, ainda que praticamente isolada da interação com os outros Povos Livres.


Estas frutíferas terras, amadas por seus pequeninos habitantes, são cultivadas pelos Hobbits que plantam e extraem cereais, frutas, madeira e fumo de cachimbo. A pequena porção de industrialização em sua produção é composta por empreendimentos simples como moinhos e cervejarias.


Apesar de ter localidades densamente populadas, as extensões do Condado são entrecortadas por bosques, campos e charcos, que emolduram vilas e vilarejos. As terras lavradas e planaltos gramados, os jardins impecáveis e floreiras coloridas chamam a atenção para a capacidade de cultivo e esmero dos Hobbits.


O Condado é administrado por um prefeito e suas regiões são divididas entre famílias tradicionais. Alguns poucos Hobbits agem como xerifes, mas raramente requisitam-se suas funções, nestes casos lidam majoritariamente com invasões de animais ao território. As fronteiras do Condado são guardadas pelos Guardiões dos Dúnedain, Homens desbravadores que mantém as ameaças longe do Condado, a existência desses protetores é desconhecida pela maior parte dos pequeninos.

(Condado por J. R. R. Tolkien)


Considerações finais:


A mestragem é composta por narrativa, dicção, carisma, conhecimento, experiência e inúmeros outros fatores. Ser mestre não é um título, é um processo sem fim de estudo, observação e dedicação. Narrativas engajantes emergem, como todas as boas artes, de referências sólidas e da verdade. Espero que este breve passeio por algumas das ideias e verdades de Tolkien, possa nos inspirar a criar, ao mesmo tempo que nos revela parte da genialidade do eminente professor.


Tolkien acreditava que somos incapazes de criar a partir do nada. A derivação, a busca por fontes e a inspiração nos levam a novas aventuras e fantasias inéditas (chamava este processo de subcriação). Digo que é clara a verossimilhança impressa em suas obras, resultado de suas experiências de vida, estudos históricos e sua fé.


Escolheu relatar o triunfo da virtude sobre a ganância, da luz sobre a sombra e a capacidade do bem e do heroísmo de surgir dos lugares menos esperados, derrotando os mais inconcebíveis desafios nos momentos mais catastróficos. Evocou temas como companheirismo e amizade, ambientes naturais de beleza antiga e povos variados que, apesar de suas profundas diferenças, unem-se diante de um mal invencível. Amor, sacrifício, esperança e redenção ecoam por sua obra-prima, O Senhor dos Anéis. Ecoam ainda hoje, por todos os cantos do mundo, em inúmeros formatos através de variadas mídias. Jamais, no entanto, de forma tão bela e iluminada quanto nas páginas de seus inconquistáveis livros.


Leiam Tolkien, alimentem-se do corpo de sua fantasia e bebam da obra de um homem que dedicou sua vida ao seu trabalho, à família e a Deus. Tragam um pouco do que receberão, nesta sublime experiência, para suas próprias subcriações.


Victor Troiani


Para mais informações sobre como enriquecer suas criações indico o texto de Alexandre Katz sobre cidades medievais:



Fontes e Aprofundamento:


O Senhor dos Anéis, volume único, por J. R. R. Tolkien


O Silmarillion, por J. R. R. Tolkien


As Cartas de J. R. R. Tolkien, por Christopher Tolkien


J. R. R. Tolkien, uma biografia, por Humphrey Carpenter


The J. R. R. Tolkien Companion and Guide - Chronology, por Christina Scull e Wayne G. Hammond


The Road to Middle-Earth, por Tom Shippey



Sites e plataformas:


A Guerra do Imaginário - Brasil Paralelo





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