(Créditos da imagem: T Studio)
A dinâmica da mesa de RPG é muito interessante. Um mestre, a mente singular, cria ou escolhe um ambiente, estuda-o e o aprende de cabo a rabo, enfeita-o com personagens e situações e, depois que introduz seus jogadores a este “parque de diversões”, entra em modo reativo, informando e criando no ato, de acordo com o que o grupo faz à mesa.
Dependendo do estilo de mestragem, alguns tem mais informações já pré-definidas, outros preferem improvisar grande parte do que acontece, ambos têm como ferramentas algumas tabelas, a aleatoriedade dos dados, descrições e mapas pré-existentes e algumas linhas narrativas preparadas, caso os jogadores sigam caminhos que o mestre julgou os mais óbvios.
É claro que os caminhos julgados mais óbvios jamais serão tomados, as tabelas aleatórias cuspirão acontecimentos e encontros escalafobéticos e os dados exprimirão os resultados menos prováveis da história. E aí, com a face inabalável daquele que parece saber tudo e ter o mundo sob controle, o mestre entrará em desespero e deixará uma metafórica lágrima escorrer à lateral de seu rosto. Mas o show deve continuar!
Mestrar é injusto, uma tarefa ingrata e laboriosa! Muitas vezes criamos sessões inteiras, com mapas e criaturas, e nunca as usamos. Os mais jovens e empolgados chegam a escrever tratados verossímeis e história prévia para cidades e regiões, um belo material que jamais será conhecido por ninguém, além dele mesmo.
Do outro lado, cinco pessoas queridas, amigos e parceiros, familiares ou companheiros, nos olham, com grande expectativa, esperando serem conduzidos pelas quatro horas mais divertidas depois de uma longa semana de extenuantes trabalho, estudo e vida real. Sem pressão, meu caro mestre!
Cinco mentes sedentas por sangue, ouro e glória. Cinco cérebros adentram seu mundo e, buscando fazer parte dele, o viram de ponta cabeça. Curiosos, tentam enxergar além dos limites do seu preparo, esperando de você, meu querido narrador e árbitro, a criatividade Tolkeniana, com o ritmo aventuresco de um jovem Spielberg.
Você, com seu único sistema nervoso, em desvantagem no quesito quantidade de massa encefálica total, não deve se amedrontar. Se seus jogadores são como inquietos bruxinhos, disparando suas varinhas nervosas para todos os lados, você é Gandalf em seu prateado alazão, descendo pelas encostas brilhantes, com o sol às suas costas e um exército etéreo acompanhando-o a galope.
Comece com humildade, seja o cinzento, e saiba a situação em que se encontra. Tudo o que acima foi descrito é possível, mas a interpretação e administração de expectativas, são questões chave para que ocorra uma boa sessão.
De antemão, não coloque sobre seus ombros responsabilidade alguma além da de dar apoio para os jogadores durante a criação de seus personagens, saber as regras do jogo que trarão à mesa e a da pontualidade. Tenha também um ponto de partida, uma cidade, uma estrada ou uma floresta. Conte com a ajuda do grupo para descobrir como aqueles aventureiros se conheceram e como chegaram ali. Por fim, sem perder muito tempo, introduza a eles um conflito a ser resolvido.
Inicie o jogo em velocidade 1 e ofereça algumas interações simples com o mundo. Aproxime-se com um vendedor, coloque um animal indefeso e em perigo diante de seus amigos, observe e sinta a forma como grupo responde. Preste atenção nos jogadores, quem toma a frente nas decisões, quem questiona, quem é mais astuto e quem é mais beligerante.
O jogo de interpretação de personagens não é um filme ou seriado, não é um jogo de tabuleiro ou de vídeo game, ele é sua própria besta. É narrativa, interação, desafio, cooperação misturados ao teatro, ao jogo de combate, à tática e quebra cabeças. O mestre é responsável por muita coisa, mas não é o único responsável pela diversão ou entretenimento. O RPG se faz em conjunto e, certamente, seu bom andamento é responsabilidade dividida por todos.
Lembre-se da Regra de Ouro, que aponta que as diretrizes estão ali para servir à diversão, podendo-se torcê-las e reconfigurá-las se necessário. O mestre que domina seu ofício, pode enxergar a matrix e compreender que poucas vigas vitais sustentam o grande salão do nosso hobby. Em se respeitando estas premissas básicas, que só se descobrem com a experiência e o tempo, o limite criativo do mestre se revela quase inexistente. Você se torna Gandalf em sua alva forma final. Este artigo, porém, deixo para escrever no futuro, só confie que quanto mais você jogar, melhor mestre será, e que isso leva tempo, anos até, de uma jornada interminável.
Deixo aqui algumas pílulas que considero úteis ao jovem mestre:
> Não leve a sério a ideia de que você e seus jogadores são adversários. Esta farsa é legal de se ter como brincadeira, mas é desastrosa ao se materializar em um cabo de guerra.
> Crie seu próprio conteúdo. Nenhuma célebre criatura assustará tanto seus jogadores quanto o seu inédito Megalodonte Esmagador de Carniças. Nenhuma aventura será tão simples de mestrar quanto seu próprio enredo, feito levando em consideração o que diverte sua mesa e o que valoriza o seu estilo de mestragem. Finalmente, nenhum encontro mostrar-se-á tão rapidamente improvisável quanto uma emboscada à meia-noite criada e pensada por você.
> Use tabelas aleatórias. Não saber exatamente o que vai acontecer, deixar-se surpreender pelos dados, será tão divertido para você, como mestre, quanto para seus jogadores. Tesouros, encontros, nomes de personagens, acontecimentos narrativos, efeitos de magias… Todos os aspectos de uma aventura podem ser randomizados e esta imprevisibilidade vai levar você e sua mesa ao improviso, facilitando a narrativa emergente e, por vezes, evidenciando que não só o grupo deve cooperar para que uma mesa seja bem-sucedida, mas por detrás dos panos, o mestre e os jogadores também fazem parte de uma sórdida cooperação. Una este ponto ao anterior, crie suas próprias tabelas aleatórias!
> Prepare a sessão antes, você não é apenas um jogador, seu papel neste jogo requer certo nível de preparo. Quando o mestre não se prepara, agindo apenas no improviso ou, pior ainda, guiando-se apenas lendo a aventura no momento em que o jogo acontece, os jogadores percebem, os mais atentos sabem exatamente o que está acontecendo e os mais exigentes tomarão isso como desleixo. Improvisar, ler aventuras ou buscar regras farão parte da mestragem, o que é justo e completamente aceitável, o preparo, porém, elevará a experiência, deixando-a mais imersiva, ajustada ao seu estilo, e permitirá que você enriqueça todos os aspectos da mestragem, de antemão, facilitando até mesmo o improviso posterior.
> Divirta-se. O objetivo do RPG é divertir-se, todos estão lá para isso. Você não é o único responsável pela diversão e as pessoas sabem disso. Se você trouxer suas tabelas aleatórias, uma ambientação interessante e descrever a união destes fatores, dando liberdade para ação dos personagens dos jogadores, a mesa se encaminhará e a narrativa emergirá.
> Converse com seus jogadores entre sessões. Pergunte suas expectativas, os momentos preferidos, conheça as opiniões, sugestões e críticas que eles têm a lhe dar. Nem sempre eles estarão certos, mas suas respostas sempre serão úteis para que você enxergue melhor os caminhos a serem tomados.
É com certa humildade que ofereço estes trocados, em forma de conselhos, para o leitor. O aprendizado, como disse, é interminável e as descobertas são constantes. Sistemas, mundos e mesas moldam estilos de mestragens diversos, alguns antagônicos. A verdade é que você deverá encontrar as ferramentas e métodos que melhor servem a sua mesa.
Dito isso, me recuso a relativizar a questão. Busque também a sabedoria antiga, aprenda com quem criou o jogo, leia Gary Gygax. Décadas se passaram, muitas inovações foram colocadas à prova, mas a beleza do espírito originário não foi superada.
Que se aplique a Regra de Ouro, que reluz quando iluminada pela sensatez, mas derrete se aquecida pelas chamas da vaidade.
Victor Troiani
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