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A alegria de sentar-se à mesa

Atualizado: 2 de jul. de 2022


Gentlemen in the Tavern por Max Gaisser


Criar cenários perigosos e aventuras excitantes, imaginando momentos de triunfo e alegria, assim como dramas e perdas, estimula nossos cérebros primatas há muitos milhares de anos. O jogo de interpretação de papéis floresceu da união do nosso ancestral gosto pelas histórias contadas à volta de uma fogueira, com a vontade daqueles que as escutam de vivenciar o épico e o tétrico, de colocar-se nos sapatos de outro e participar da narrativa.


O contador tornou-se o mestre, os ouvintes são agora jogadores, cada um com um ou mais personagens, formando um grupo de aventureiros que protagonizam a história. Todos tecem esta narrativa conjunta e, através de suas decisões, vivem, morrem, aprendem e tornam-se mais capazes ao longo do tempo.


Diferente de outros meios de entretenimento, no RPG, grande parte do espetáculo ocorre no teatro de nossas mentes. Não existe limite, além da criatividade, nestes imaginários salões, repletos de criaturas reptilianas e castelos, naves interestelares e vampiros luxuriosos. A voz do mestre conduz os traços gerais da experiência, mas ela só se completa por nosso conhecimento prévio, bagagem cultural e capacidade de extrapolar o lugar comum. É a chamada narrativa emergente, a forma com que surpreendemos uns aos outros na mesa, cada um contribuindo com suas ações e ideias, transportando-nos todos para lugares onde nenhuma cabeça sozinha chegaria.


O mestre que conhece seus jogadores busca provocá-los, atiçar sua ganância e testar seu heroísmo, desafiando os aventureiros como um todo e individualmente, salpicando intrigas e servindo o grupo com uma diversidade de caminhos instigantes e revelações não óbvias. Um grupo coeso sabe suas vantagens e seus pontos fracos. Ao longo do tempo, usam esta sabedoria para superar os entraves encontrados pelo caminho. Aprendem a ouvir uns aos outros e a expor soluções. Trabalhando em equipe, navegam dentro de suas capacidades percebidas, evitando aquilo que pode levá-los à ruína.


Destas decisões brota a seiva que dá brilho à mesa. Acontecimentos farão com que todos se levantem apreensivos, quando sabem depender de um resultado para concretizar suas ambições, ou com que se entreolhem, suspeitos, pensando nas repercussões que seus atos desencadearam. Personagens e locais ganham vida através destas escolhas e da sorte, se tornam importantes, mesmo que existam apenas durante aquelas horas, a cada quinze dias, quando cinco ou seis de nós nos sentamos para contar a nossa história.


A mesa sempre me foi um lugar sagrado. Não o objeto em si, mas o que ela se torna naquelas quatro ou cinco horas, enquanto ali nos debruçamos, vivendo nossas aventuras. A figura do mestre, as fichas, a necessidade de pontualidade e as relações pessoais que se criam entre os jogadores. Estes são fatores que, unidos aos citados anteriormente, elevam a experiência a mais do que a soma dos seus componentes.


As sagas em busca de glória e tesouro desafiam nossa sagacidade, o desespero ao fugir de criaturas horríveis alimentam nosso auto conhecimento e a dinâmica entre as pessoas jogando cria amizades duradouras. Os frutos do RPG são como os contos espontâneos que citei anteriormente, podem não ser óbvios à primeira vista, mas são tão maravilhosos e engrandecedores quanto o que buscávamos, milhares de anos atrás, em volta da fogueira.


Victor Troiani

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