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Pluralismo lúdico

Atualizado: 2 de jul. de 2022


Créditos da ilustração: Carlos Castilho @crawlstilho


Pensando em retrospecto, o desenvolvimento da Arcana Primária se deve a muitas fontes, das mais modernas às mais clássicas (a história da Arcana fica para uma próxima ocasião). Todas nos renderam muita diversão, ainda que nossas preferências pessoais tenham gravitado para um ou outro sistema de regras.


Por essa razão, nos causa muita estranheza quando vemos querelas entre jogadores de diversos sistemas, como se a diversão fosse um esquema de soma-zero, isto é, como se gostar de um jogo anulasse a possibilidade de apreciar outro. Tal conflito é antigo, claro.


Aqueles que jogam RPG há algum tempo já se depararam com uma categoria muito peculiar de jogador. Um jogador de ares aristocráticos, que esbraveja contra jogos diferentes daquele que se habituou. Um jogador que torce o nariz para variações e atualizações, que declara a superioridade absoluta de um produto específico em relação a todos os outros, sem mesmo tê-los experimentado sequer uma vez. A este perfil, geralmente, dá-se o nome de purista.


Deixemos claro, no entanto, que não há problema algum em preferir um livro em detrimento de outro, de considerá-lo com especial carinho, de não querer jogar outra coisa. O problema é a atitude de desencorajar novas experiências à mesa, de fazer chacota com jogadores que preferem outros conjuntos de regras para se divertirem. Um exemplo clássico, para quem viveu o mundo dos RPGs dos anos 90, é a disputa entre GURPS e D&D. Havia, entre muitos jogadores assíduos de D&D, um julgamento moral contra aqueles que se dedicavam ao GURPS. Não vem ao caso entrar nos detalhes, mas algumas pessoas se privaram de conhecer este último sistema simplesmente porque era difícil achar, entre conhecidos, quem se dispusesse a mestrar GURPS, ou porque lhes dava vergonha de declarar curiosidade em novos ares. Essa é uma atitude desnecessária e tóxica, que, infelizmente, ainda se reproduz em trincheiras de outro nome: sistemas correntes (e.g. 5ª edição de D&D) contra os do rótulo OSR (o renascimento dos sistemas old school, i.e., velha guarda).


Rótulos podem ser importantes para otimizar a busca por preferências, mas o que se ganha com a perpetuação deste conflito? O que se ganha em criticar o modo de diversão alheio? Não gostar de um jogo é uma coisa, fazer campanhas de desmoralização é outra. Alguns jogadores preferem certos parâmetros que deixam os personagens mais heroicos, outros querem começar como aldeões comuns. Ademais, é possível que hoje um jogador queira jogar um sistema mais imbricado e granular, mas, amanhã, prefira um simples e direto ao ponto. Quem lhe dirá que está errado?


As configurações psíquicas que levam certos grupos a gostarem mais de um produto é fruto do hábito e de valorações estéticas construídas ao longo da vida, das interações sociais, da exposição cultural, completamente jogadas nas marés da fortuna individual. A preferência de cada pessoa por diversão não pode ser tomada por absoluta, é preciso humildade e tolerância para reconhecer que outros obtém prazer com estilos diferentes.


Pode-se objetar que alguns sistemas produzem regras contraditórias e incoerentes, e que, assim, tornam-se inferiores aos mais consagrados. É verdade que eles existem, mas são, de longe, a minoria. No desenvolvimento da Arcana, estudamos mais de vinte sistemas e pelo menos dez foram jogados. Todos renderam bastante diversão e aprendizado. Vivemos uma onda de criações independentes no Brasil e no mundo, muitas delas premiadas e instigantes (podemos citar o famoso Forbidden Lands como exemplo), para quê pressionar pessoas a manterem-se fiéis a um único jogo ou estilo?


Mesmo que não se mude de livro ou estilo de jogo, pode-se obter muita inspiração lendo-se outros, gerando adaptações ou novas regras (as tais regras da casa) que podem encantar parceiros de mesa.


Enfim, defendemos o pluralismo lúdico, a tese de que experimentar outros jogos é benéfico e saudável na evolução de uma mesa, que nenhum sistema é superior em absoluto a outros. Leiam tudo que quiserem, evitem pensamentos de manada, absorvam aquilo que há de melhor em cada produto e divirtam-se a seu modo. Já existem dogmas e trincheiras deveras prejudiciais na vida comum para trazê-los ao campo da diversão. Sejam felizes.


Alexandre Katz

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